O que você ainda não sabe sobre a Ilha do Mel?
*Márcia C. M.
Marques
Uma ilha paradisíaca no Atlântico
Sul, com as mais belas praias do estado do Paraná, um farol e uma fortaleza
ricos em histórias, localizados nos melhores pontos para registros fotográficos
do litoral. Com essa descrição, uma boa parte dos paranaenses e muitos turistas
do Brasil e do mundo provavelmente reconhece: esta é a Ilha do Mel! Situada na
entrada da baía de Paranaguá, ali se chega de barco e com os pés se explora as
areias branco-acinzentadas das trilhas em meio à vegetação nativa, em busca dos
pequenos paraísos como a gruta das encantadas, as inúmeras praias, os
monumentos históricos, ou mesmo os deliciosos restaurantes, pousadas e bares
que oferecem ao turista a oportunidade de desfrutar das suas maravilhas. Isso
tudo você conhece, ou pelo menos já ouviu falar!
É possível também que você saiba que
é uma ilha do tamanho da famosa Fernando de Noronha (PE), que quase toda a área
é protegida em lei, que até a pouco tempo não havia energia elétrica, que um
navio naufragou em 1868 e que existem lendas bem divertidas sobre a origem de
seu nome. Talvez você também saiba que existe muita gente na Ilha, e fora dela,
que vive do turismo ecológico. Que ainda persistem raros pescadores locais, e
que pernoitar na Ilha e ter o privilégio de ver o Cruzeiro do Sul, sentindo a
brisa do mar, é uma experiência sem igual. Existe uma legião de frequentadores
da Ilha que sabe muito bem do que estou falando!
Tudo isso ainda não conta toda a
história da Ilha,que é uma amostra de uma história
geológica e biológica que ocorreu nos litorais sul e sudeste do Brasil nos
últimos 40 a 50 mil anos e que resultou na formação das planícies litorâneas
sobre as quais se debruçam restingas, florestas, lagoas, dunas, mangues e
marismas. São espécies que, nos últimos 10 mil anos, desceram das montanhas da
Mata Atlântica e, sobre as areias escaldantes do beira-mar, foram se
modificando e adaptando. Algumas especiaram, ou seja, foram selecionadas no
curso da evolução e se tornaram espécies únicas. Outras modificaram seu corpo,
produziram órgãos para secretar o excesso de sal, tornaram-se mais rígidas e
assim puderam ocupar as planícies inóspitas de areia do mar. Assim, essa região
se tornou única. Só de plantas são mais de 1.500 espécies, outras tantas de
aves, mamíferos, répteis e insetos que passaram habitar essas planícies
litorâneas.
As mais recentes notícias sobre ela
apontam para a possível construção de um complexo industrial, que inclui um
porto em Pontal do Sul, ou seja, a poucos metros da ilha. Grupos econômicos
fortes (e também envolvidos em alguns dos escândalos mais deprimentes da
história presente do Brasil) e governantes com visões imediatistas confrontam
os relatórios ambientais que impedem a construção e justificam: o progresso
“exige”. Essa obra portuária está sendo feita a menos de cinco quilômetros
(isso mesmo!) de um dos maiores portos do Brasil, o Porto de Paranaguá. A obra
deverá interferir na dinâmica do mar, na probabilidade de acidentes ambientais,
na sobrevivência de peixes, botos e outros animais aquáticos, e na vegetação
das restingas e manguezais. Deverá atingir as atividades de ecoturismo, a pesca
e os modos de vida de muitos trabalhadores locais. Enfim, afetará a integralidade da Ilha do
Mel. Logo ela, tão cheia de histórias de resistência. Logo ela, tão única.
*Márcia C. M. Marques faz parte da Rede de
Especialistas de Conservação da Natureza. É professora da Universidade Federal
do Paraná e vice-presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecologia e
Conservação (ABECO). É organizadora do livro “História Natural e Conservação da
Ilha do Mel”, pela editora da UFPR.